Capítulo 10 : A ADORAÇÃO NA IGREJA CONTRASTADA COM A DO
ANTIGO TESTAMENTO
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O cristianismo é bipolar pela sua
própria natureza. Esses dois pólos são o conteúdo da fé, fundamentado na sua
mensagem revelada, e a adoração prática, através da qual o cristão e Deus
mantêm comunhão.
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De um modo geral, os cristãos não
estão conscientes de que sua adoração reflete a teologia prática da comunidade
onde estão inseridos.
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A adoração centralizada no homem tende
a negar a realidade do coração que confessamos. De um lado, a lei ameaça
deslocar a graça como o motivo fundamental para se adorar a Deus.
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Em resumo, a liturgia é teologia
representada, a resposta humana a Deus e ao seu favor. As formas persistem
enquanto o conteúdo evapora ou muda o seu centro de Deus para o homem.
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Os evangélicos têm a tendência de
separar a centralidade do senhorio de Cristo, biblicamente fundamentada, do
viver cotidiano, de modo que a adoração se torna, com efeito, compartimentada
em cápsulas de uma hora de duração, não sendo levado em consideração quão
importante pode ser o ato de se "invocar o nome do Senhor juntos".
1 - A Maneira de Adorar e a Liberdade
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I Coríntios 14.26-40
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Desde o princípio, a adoração tem sido
vítima de dois perigos: 1) um formalismo que desafia os moldes externos da
liturgia, enquanto mortifica qualquer relacionamento vital com Deus; 2) uma
espontaneidade que, por causa de desordem e confusão, deixa de estimular
qualquer encontro sério com o Deus que procura verdadeiros adoradores.
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Amando a liberdade, a igreja perdeu de
vista a santificação e a comunidade.
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Nem a forma correta nem a liberdade de
expressão devem ter significado máximo na adoração. Amor sincero e um
relacionamento pessoal obediente a Deus devem ser o mais importante.
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A. P. Gibbs define a adoração como
"a ocupação do coração, não com as suas necessidades, ou mesmo com as suas
bênçãos, mas com o próprio Deus".
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Marcos 7.6-9
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Embora a diferença na forma de
adoração no Novo Testamento seja mais marcada pelo modo cristão de encarar o
tempo, o templo, o sacrifício e o sacerdócio, não há rompimento com o ideal
vétero-testamentário quanto à verdadeira adoração.
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O homem não está livre para adorar
conforme sua própria vontade, mas apenas em "verdade", isto é, de
acordo com os mandamentos de Deus. As suas expressões externas de adoração
nasciam naturalmente do seu relacionamento genuíno com Deus.
2 - A Adoração e o Tempo
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“Tempos designados" (Números
29.39) eram considerados
centrais na expressão da adoração a Deus em Israel, porque eventos passados,
nos quais Deus agira, nunca deveriam ser esquecidos.
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O sábado, dia semanal de descanso e
adoração é um exemplo fundamental do tempo consagrado a Deus. Ele foi
fundamentado no descanso de Deus após a criação (Gênesis 1.1 2.3). O quarto
mandamento impõe rigidamente a sua observância.
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Em resumo, esta festa semanal foi
instituída para lembrar ao homem a sua responsabilidade de adorar a Deus em
"tempos e lugares determinados", bem como para proporcionar ao corpo
físico o descanso necessário.
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Para os cristãos, no relacionamento da
Nova Aliança com Deus, o tempo é fundamental, por causa da salvação que Deus
proporcionou na história. Por esta razão, é muito mais surpreendente o fato de
que a adoração pelo Espírito, sob o amparo da nova era, rompe, decisivamente
com o conceito dos "tempos designados" para a adoração prescrita sob
a velha era.
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Jesus repetidamente expressou a sua
oposição à mentira legalista judaica, daqueles dias, de guardar o sábado (Marcos
2.23-28)
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Por meio dessa afirmação, o Senhor
apontou para a realidade da Nova Aliança, na qual Deus sempre permaneceria com
o Seu povo. As leis do Antigo Testamento que regem a observância do sábado
atingem o seu cumprimento no descanso sabático cristão (Hebreus 4.1-11)
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O inspirado autor de Hebreus insta com
os seus leitores para que aproveitem ao máximo o descanso de Deus. Não mais um
dia semanal, literalmente falando; o descanso foi mudado para a herança da
salvação que cristãos, fiéis a Cristo, compartilham e esperam.
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Não há dúvida que a igreja judaica
continuou a observar os sábados e a celebrar as festividades judaicas, mas a
motivação não era mais por causa de uma obrigação divina As antigas práticas
eram consideradas meramente um fenômeno cultural.
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Se as igrejas primitivas fossem
considerar "dias, meses, estações e anos" como elementos essenciais à
adoração a Deus, elas recairiam na escravidão dos rudimentos fracos e pobres ou
nos "espíritos" (stoicheia) que as haviam acorrentado anteriormente
(Gálatas 4.8-11).
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Em Atos podemos concluir que os
membros da congregação de Jerusalém se reuniam diariamente (2.46; 5.42).
Mas supomos que ninguém tinha a obrigação divina de frequentar
todas as reuniões. Antes, a motivação suficiente para a frequência regular a
alguma reunião de adoração, fosse no templo ou em casas particulares, surgia do
impulso interno da nova alegria de se adorar ao Senhor.
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Em meados do segundo século, Justino,
o Mártir, tinha identificado o viver cristão com o sábado perpétuo que consiste
de abster-se do pecado, não do trabalho. Irineu
encarava o sábado como um símbolo do futuro reino de Deus, no qual aqueles que
serviram a Deus "num estado de descanso, participariam da mesa de
Deus". Tertuliano
declarou: "Nós não temos nada a ver com as festividades judaicas".
Orígenes disse do cristão perfeito: 'Todos os seus dias são do
Senhor e ele está sempre observando o dia do Senhor", embora reconhecesse
que a maioria era incapaz de guardar cada dia como uma festa.
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Exatamente pelo fato de o domingo
tornar-se o símbolo do novo começo, uma celebração Pascal semanal,
era natural que a igreja primitiva adotasse aquele dia para a
adoração pública. A reunião da comunidade no dia do Senhor dava testemunho
eloquente da realidade da nova era. Tais
reuniões eram consideradas uma antecipação da glória infinita a ser gozada no
céu.
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Mas tudo o que foi dito nas linhas
anteriores de maneira nenhuma contradiz a verdade de que "os seres humanos
precisam interromper o seu envolvimento em ocupações físicas e materiais e
dedicar significativos períodos de tempo ao Senhor, num ciclo regular e constante.49
Isto ê verdade, porém a perspectiva do N. T. é de que o mundo
físico e material deve ser abordado de um ponto de vista espiritual.
3 - O Templo
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Na adoração do antigo Israel, o espaço
sagrado era comparável, em importância, aos tempos divinamente designados.
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Especialmente após o êxodo e a
instituição da lei, o levantamento do tabernáculo significava localizar a
glória de Deus no Lugar Santo.
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Levítico 16.1-6
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Nos recessos inacessíveis do Santo dos
Santos, aquele aposento santo, respeitável primeiramente no tabernáculo e
depois no templo onde Deus "residia", ficavam o propiciatório e a
arca que continha as tábuas da Sua lei. Ali, o sangue da expiação pelos pecados
da nação era aspergido, no mais solene rito anual de adoração. "A adoração
é o protocolo pelo qual se pode entrar na presença divina".
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O Santo dos Santos (debîr, lít.
"a palavra") representa Monte Sinai, onde Deus se encontrou com
Moisés, dando-lhe sua Palavra e mostrando-lhe sua glória. Assim, o tabernáculo
e, posteriormente, o templo se tornaram extensões históricas daquele encontro,
o modelo de adoração para o povo eleito. O templo era o único local de
sacrifícios, consagrações e entrega de dízimos agradáveis a Deus.
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Jesus declarou que um templo "não
feito por mãos" estava destinado a tomar o lugar da temível grandiosidade
da arquitetura herodiana. O término do templo ocorreria na associação da Sua morte
(através do véu rasgado) com a invasão romana. A ressurreição do corpo de Jesus,
então, criaria um templo de uma ordem distinta para o substituir (João 2.19-22)
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Claramente devemos entender que a vida
ressurreta de Jesus e a vinda do Espírito anularia as distinções geográficas "santas".
A glória shekinah, antigamente localizada no templo, então habitaria
exclusivamente no Filho, e seria compartilhada com todos os que nEle habitam
(João 17.22-24).
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A ligação entre o templo escatológico
e o corpo ressurreto de Jesus é completada, então, na formação do templo,
composta de cristãos reunidos. As igrejas locais podem ser consideradas
"aposentos" na casa mundial de Deus.
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Na reunião de adoração, a realidade do
"templo" deve ser manifesta como a habitação de Deus, embora ele seja
composto de "pedras vivas", em vez de madeira, pedra e argamassa.
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A comunidade escatológica está sendo
transformada num templo santo (nãos, "santuário") no Senhor, uma
construção única, crescendo dinamicamente, na qual Deus habita pelo Espírito (Efésios
2.21-22), porque os membros
precisam se reunir para se edificarem uns aos outros.
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Para cada cristão, ele designa a
responsabilidade de manter a santidade de todo o Corpo-templo. (I Coríntios
6.17-20)
4 - O Sacrifício na Igreja
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Considerando que o homem é pecador,
ele precisa de um sacrifício propiciatório para remover qualquer ofensa que o
separe de Deus, de modo que possa ter comunhão com seu Criador.
1) A oferta queimada,
significando literalmente "aquilo que ascende" (Levítico 6.8-13). Ela
produzia um "sabor de satisfação" de modo que do altar, no tribunal
da casa de Deus, um fogo perpétuo e o sacrifício pudessem, duas vezes por dia
"simbolizar a resposta do homem à promessa”.
2) A oferta de manjares
(Levítico 6.14-18) era literalmente chamada uma "dádiva". A "porção
memorial", queimada com incenso ao Senhor, tinha como objetivo trazer a
Aliança à lembrança de Deus.
3) A oferta pacífica
(Levítico 7.11-14). Seguindo um ritual preparatório idêntico àquele de quem
apresentou a oferta queimada, o ofertante comia o sacrifício com alegria diante
do Senhor. Ela expressava a plenitude e o bem-estar denotados pela shalom de
Deus, compartilhada com sacerdotes e colegas.
4) As ofertas pelo pecado e pela culpa
(Levítico 6.24-7.10). Distintas das três festas anteriores que eram voluntárias,
estas eram exigidas quando um pecador quebrava a lei de Deus e tinha o seu
relacionamento interrompido com o Criador. Uma vez por ano o sangue expiatório
tinha de ser levado para dentro do véu. Os objetivos desse sacrifício eram a
restauração da comunhão e o acesso à presença de Deus por meio dos sacerdotes.
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O foco sacrificial do Novo Testamento
cai essencialmente sobre Jesus, como Sumo Sacerdote de Deus (Hebreus 4.14-16)
e, também, como o Cordeiro que tira o pecado do mundo (João 1.29); qualquer
outro sacrifício desaparece pela sua insignificância.
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O seu sacrifício foi racional,
voluntário e amoroso, contrastando com os sacrifícios de animais. Por esse ato,
o julgamento eterno foi afastado; a redenção, garantida; e a herança eterna,
prometida um laço eterno estabelecido entre Deus e o homem, a eterna aliança.
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Jesus convidou a todos os que
desejassem tornar-se seus discípulos a se auto-negarem, tomarem sua cruz e segui-lo
(Marcos 8.34-38).
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Para Paulo, isto significava que o imitatio Christi significava que ele
deveria levar "sempre no corpo o morrer de Jesus", de modo que a vida
de Jesus pudesse tornar-se manifesta na sua carne mortal (2 Coríntios 4.6-10).
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Para Paulo, o batismo significa, no
nível mais profundo do coração, uma necessidade de o candidato se considerar "morto
para o pecado, mas vivo para Deus, em Cristo Jesus" (Romanos 6.6-12).
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Outros exemplos do novo significado do
sacrifício podem ser vistos no "dever sacerdotal de Paulo no sentido de proclamar
o evangelho” (Romanos 15.15-16)
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Em Hebreus, também, a adoração oferecida
em louvor e gratidão expressas durante as reuniões da igreja, pertencem à
categoria de sacrifício. (Hebreus 13.15-16)
5 - O Sacerdócio dos Crentes
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Os sacerdotes eram pontes vivas entre
o Deus santo e o homem pecador. O significado do termo "sacerdote" (kohen,
em heb. ) é "aquele que fala a verdade", e mostra a ligação íntima
que a sua função tinha com a profecia.
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Somente o sumo sacerdote era ungido
como O Ungido, embora seus filhos
também recebessem aspersão com óleo. O resultado foi o surgimento de uma
pirâmide ou uma hierarquia composta de sumo sacerdote no topo; depois sacerdotes;
e, finalmente, levitas, separados do resto da nação.
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Em vez de uma herança geográfica, estes
homens consagrados tinham o direito de "herdar" o Senhor. Tanto o seu
trabalho como o seu sustento tinham de vir unicamente de sua adoração contínua
a Deus. (Números 3.10-13)
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Agora que a nova era fora inaugurada,
o autor de Hebreus prova que Jesus Cristo reúne todo o sacerdócio israelita no
seu papel único de representante de Deus diante do homem e do homem diante de
Deus. (Hebreus 5.1-10)
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Claramente, então, o privilégio de o
sacerdócio ser estendido a todos os crentes tem
como fonte e modelo Aquele que os une a Si no próprio sacerdócio da Nova
Aliança. "... tanto o que santifica, como os que são santificados, todos vêm
de um só" (Hebreus 2.11).
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Pelo fato de os cristãos fazerem parte
da "igreja dos primogênitos arrolados nos céus", eles estão
convidados a entrar no Lugar Santo (Hebreus 12.22-23; 10.19-22).
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No papel de sacerdote real de Deus, a
igreja tem a feliz responsabilidade de desafiar toda a raça humana a reconhecer
as virtudes do salvador do mundo. Portanto, tudo o que a Igreja faz para
cumprir a sua missão pode corretamente ser considerado adoração.
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À luz da compaixão sacerdotal infinita
de Jesus, está claro que qualquer adoração que isola a Igreja das necessidades
espirituais ou materiais do mundo não é bíblica. Tal isolamento nega a sua
chamada sacerdotal. Através de atos práticos de amor, a igreja cumpre o seu
desafio divino para dar testemunho do caráter do seu próprio Sumo Sacerdote (Atos
1.8).
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Semelhantemente, a Ceia do Senhor como
a expressão suprema da adoração neo-testamentária, expõe dramaticamente a união
entre comunidade como um sacerdócio e a dádiva incomparável da vítima sacerdotal
de Deus, carregando Ele mesmo em Seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados
(1 Pedro 2.21-25).
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Devemos viver todo tempo em serviço
alegre. Cada ato obediente pertence, inseparavelmente, ao campo da adoração (Colossences
3.17).
Extraído do
livro “Adoração Bíblica” do Dr. Russell P. Shedd. São Paulo: Vida Nova, 1993.
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